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Associação dos direitos na gravidez alerta para “deterioração alarmante” da saúde materna

LUSA
04-07-2025 18:09h

A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) alertou hoje para a “deterioração alarmante” dos cuidados de saúde materna e recomendou ao Governo a reorganização da rede de maternidades do país.

“É inadmissível, do ponto de vista dos direitos humanos e da saúde pública, que as urgências obstétricas estejam fechadas e que os cuidados de saúde materna em Portugal se encontrem em claro processo de deterioração”, salientou a associação que reúne vários movimentos cívicos em comunicado.

Esta posição da APDMGP foi manifestada um dia depois de uma grávida de 31 semanas em situação de risco ter perdido o bebé, após ter sido encaminhada do Barreiro para o hospital de Cascais, a mais de uma hora de viagem da sua zona de residência.

Na reação a este caso, o Ministério da Saúde salientou que a utente teve acompanhamento diferenciado de um médico no percurso até ao Hospital de Cascais, considerando ainda não corresponder à verdade que lhe tenha sido recusada a assistência por motivo de encerramento dos serviços de urgência de obstetrícia da Península de Setúbal.

Questionada pela Lusa, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) adiantou hoje que decidiu não abrir, para já, nenhuma inspeção a este caso, alegando a avaliação realizada pelas entidades responsáveis, assim como a “conclusão divulgada pelo Ministério da Saúde”.

A APDMGP garantiu que tem recebido “inúmeros relatos de mulheres”, algumas em fases avançadas da gravidez e de alto risco, sem acesso a consultas, sem referenciação hospitalar ou respostas adequadas do sistema.

“No ano passado questionámos o Governo sobre a necessidade de ocorrer uma tragédia para que medidas fossem tomadas. Este ano perguntamos: quantas mais mortes serão necessárias?”, interrogou a associação.

Segundo o comunicado, a “ausência de uma resposta atempada e adequada” nos cuidados de saúde sexual e reprodutiva em Portugal tem conduzido a “situações limite de extrema gravidade, com consequências significativas” para a saúde física e mental das mulheres, bem como “danos morais irreparáveis”.

A APDMGP referiu ainda que os sucessivos períodos de verão têm revelado “esta crise de forma recorrente”, como o país a “não aprender com as experiências anteriores, continuando a reagir como se este problema não se agravasse ano após ano”.

De acordo com a associação, Portugal “já viu com orgulho” as suas baixas taxas de mortalidade materna e infantil, mas já “não se pode vangloriar destes indicadores”, uma vez que, desde 2012, a mortalidade materna tem “aumentado significativamente”, com um pico em 2020, uma ligeira melhoria em 2021, seguida de novo crescimento em 2022.

O comunicado salienta ainda que, em 2024, verificou-se um aumento da mortalidade infantil, que passou de 2,5‰ em 2023 para cerca de 3,0‰, o “valor mais elevado dos últimos anos”, o que se deveu à “degradação dos cuidados maternos, marcada pelo encerramento de urgências obstétricas, carência de profissionais e insuficiente acompanhamento pré-natal”.

Além disso, denuncia a associação, a “crise obstétrica” em Portugal está ainda “enraizada numa falha estrutural” da falta de médicos de família, que leva muitas mulheres a não terem acesso à vigilância pré-natal adequada desde o início da gestação, especialmente em áreas com carência de profissionais.

Perante este diagnóstico, a APDMGP avança com recomendações a várias entidades, incluindo ao poder político e ao Governo, a quem pede o reforço urgente do investimento no setor materno-infantil do SNS, a reorganização da rede de maternidades com base em critérios de acessibilidade, cobertura populacional e evidência científica e a reintegração da vigilância de gravidezes de baixo risco nos cuidados primários de saúde.

A associação recomenda também que seja atribuída autonomia clínica às enfermeiras especialistas em saúde materna e obstetrícia e que seja tornada pública a avaliação anual da mortalidade materna e perinatal.

Entre outras recomendações, a APDMGP apela aos profissionais de saúde para que denunciem internamente e, se necessário, publicamente, situações de risco institucional, como escalas inseguras, falta de recursos ou violação dos direitos das grávidas.

Dirigidas a várias entidades do SNS, como hospitais e Direção-Geral da Saúde, a associação sugere a extinção da linha SNS Grávida, alegando que “barra o acesso real” das mulheres às urgências, assim como a abertura imediata das urgências de obstetrícia, sem necessidade de encaminhamento para se poder aceitar uma utente.

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