O ex-diretor do serviço de dermatologia da unidade local de saúde (ULS) Santa Maria disse hoje que nunca teve acesso ao que os médicos ganhavam na produção cirúrgica adicional, justificando que “era apenas uma chefia intermédia”.
“Eu nunca tive acesso ao que os médicos ganhavam em adicional. Só fui confrontado com isso quando apareceu nas notícias. E também não tinha de ter, porque era apenas uma chefia intermédia clínica”, disse Paulo Filipe na Comissão de Saúde, no parlamento.
O clínico está a ser ouvido a pedido da IL e do Chega sobre a produção adicional de cirurgias, um regime que prevê incentivos a pagar aos profissionais de saúde para reduzir as listas de espera, no serviço de dermatologia da ULS Santa Maria.
Em causa está o alegado aproveitamento do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), que terá permitido a um médico receber centenas de milhares de euros por operar doentes aos sábados
Paulo Filipe explicou que não tinha acesso às codificações das cirurgias adicionais.
“Não tenho a ver com as codificações. É preciso ter um curso para fazer a codificação e também é uma competência da Ordem dos Médicos. Cada cirurgia gera um código. Além disso, o diagnóstico dos doentes não é só ser benigno ou maligno. Há também outros critérios que levam a outros diagnósticos, como, por exemplo, as comorbilidades, as outras doenças que os doentes têm, o grau das comorbilidades”, observou.
O ex-diretor do serviço de dermatologista sublinhou que teve conhecimento pela imprensa de que “auditorias à codificação tiveram uma conformidade de 99,5%”, representando “uma correta codificação dos doentes”.
“Esta conformidade que foi encontrada internamente vai ser agora novamente vista pela IGAS [Inspeção-Geral das Atividades em Saúde]. Há a decorrer um processo de averiguações da IGAS. Também estou interessado em saber se houve ou não alguma fraude ou algum desvio grande da produção ou da rentabilidade do serviço em termos clínicos”, referiu.
A IGAS avançou com um processo de inquérito de natureza disciplinar ainda sem conclusões conhecidas.
Paralelamente, a inspeção-geral abriu um processo de auditoria à atividade cirúrgica realizada em produção adicional no Serviço Nacional de Saúde, abrangendo as 39 ULS e os três institutos de oncologia, que já recolheu e tratou os dados enviados por todos os hospitais.
Paulo Filipe lembrou que propôs, em 2020, ao conselho de administração da ULS Santa Maria a produção de cirurgias adicionais, devido a “listas de espera enormes”, numa “proporção de três regulares ou convencionais para uma adicional”
“Na época da pandemia, apenas vinham ao hospital pessoas jovens com lesões benignas. A cirurgia adicional, nessa altura, era sobretudo com lesões benignas. Mas foi havendo uma evolução e fez-se uma proporção de malignas e de benignas. (…) Temos dado preferência às malignas, nos últimos meses, porque tem havido um ‘boom’ e uma explosão muito nítida após a pandemia de lesões malignas cutâneas”, disse.
O médico afirmou que “a cirurgia adicional passou a ser a regra”, quer na ULS Santa Maria, quer “noutros hospitais a nível nacional”.
Sobre os motivos da sua demissão, o ex-diretor explicou que teve a ver com a nomeação, por concurso público, como professor da Faculdade de Medicina de Lisboa.
“Tendo ficado no posto por concurso público, e, atendendo às grandes responsabilidades inerentes, a minha demissão estava prevista, porque eu só poderia ficar no Serviço Nacional de Saúde com 10 horas e meia. E isso não dá para dirigir um serviço”, indicou.