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Migrações: Pelo menos 11 países contrariam leis da UE com controlos de fronteiras

LUSA
17-11-2023 08:08h

Pelo menos 11 países europeus decidiram voltar costas ao princípio da livre circulação na União Europeia para combater o terrorismo e a migração, regressando ao controlo de fronteiras.

O espaço Schengen, que hoje abrange 26 países, foi criada em 1985 por cinco Estados da União Europeia (França, Alemanha, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) como corolário de um dos princípios mais estruturantes do bloco comunitário: a livre circulação de pessoas.

Embora não seja a primeira vez que os controlos fronteiriços são reinstaurados – durante a pandemia de Covid-19 estiveram quase sempre ativos -, a sua reposição só é permitida para casos de emergência e tem de ser alvo de uma autorização prévia da Comissão Europeia, que não aconteceu nos casos em análise.

As restrições fronteiriças, que tinham sido abandonadas há várias décadas, incluem verificação de identidade, de passaportes, interrogatórios policiais, postos físicos de controlo (muitas vezes com muros e cercas de arame eletrificado) e inspeções de veículos.

De acordo com um relatório da UE sobre os novos controlos, muitos países acreditam que a medida é fundamental para impedir a infiltração de terroristas do Médio Oriente que se fazem passar por migrantes, e para combater as crescentes tensões nos centros de acolhimento de refugiados e requerentes de asilo.

A Itália, por exemplo, intensificou os controlos fronteiriços este mês com a vizinha Eslovénia, culpando a guerra Israel-Hamas por uma “ameaça crescente de violência dentro da UE” e pelo risco de migrantes terroristas chegarem ao país no meio dos grupos de migrantes, cujo número tem aumentado tanto por terra como por mar.

A França reintroduziu controlos em todas as suas fronteiras internas da União Europeia e o seu ministro do Interior, Gerald Darmanin, defendeu que o país precisava de tomar medidas “numa Europa cercada por terras instáveis”.

A Eslovénia, por seu lado, anunciou a reintrodução de controlos nas suas fronteiras com a Hungria e a Croácia, alegando estar a enfrentar praticamente os mesmos problemas que a Itália, além de “ameaças à ordem pública e à segurança interna”.

Mesmo a Suécia, que durante a pandemia se destacou de outros países por recusar confinamentos, decidiu impor restrições nas fronteiras com todos os países do espaço Schengen.

Embora defendida pelos políticos de Bruxelas como “a jóia da coroa da integração europeia”, a política de livre circulação tem sido acusada de funcionar como isco de migrantes e terroristas.

No ano passado, mais de 300 mil requerentes de asilo, refugiados e migrantes ilegais entraram na União Europeia através das suas fronteiras externas e puderam - ao abrigo das regras de Schengen - viajar para onde quiseram dentro do bloco.

Apesar de considerar que os controlos fronteiriços instituídos depois dos confinamentos para combater a Covid-19 são “relativamente seletivos”, o investigador do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança Raphael Bossong admitiu à Lusa que as medidas “são ilegais”.

Segundo referiu o especialista em assuntos de segurança interna, fronteiras e no impacto da crise migratória na União Europeia, “se os controlos que foram agora instituídos não durarem mais de seis meses, talvez se possa dizer que são formalmente legais”.

Mas admitiu "fortes dúvidas de que acabem”, defendendo que o tratado de Schengen irá sofrer “uma erosão lenta, mas geral e constante”, minando “o respeito pelo direito europeu”.

Embora entenda a “pressão política que levou [os países] a adotarem novamente controlos fronteiriços e considere que “não são rígidos e não criam grandes perturbações”, Raphael Bossong critica a aplicação das leis europeias de forma seletiva.

“Não espero que Schengen entre em colapso amanhã, mas é um mau sinal” e mostra que “a Comissão Europeia não se atreve a usar realmente os seus poderes para controlar os países”, afirmou.

“É como se os grandes países, como a França e a Alemanha, pudessem escapar impunes”, acrescentou.

A preocupação é partilhada também pelo diretor do Centro de Política Migratória do Instituto Universitário Europeu, Andrew Geddes.

“Corremos o risco de os direitos e liberdades ficarem comprometidos e de as pessoas poderem ser visadas devido à sua origem migrante”, considerou, em declarações à Lusa.

Segundo Andrew Geddes, que é também professor universitário de Estudos Migratórios, “o espaço Schengen está a ser afetado pela maior ênfase na segurança devido a preocupações com o terrorismo e a migração irregular”.

A reintrodução de controlos de fronteiras é “vista pelos governos como a coisa certa a fazer para proteger a livre circulação e responder às preocupações dos cidadãos sobre a sua segurança e proteção”, explicou.

No entanto, há direitos fundamentais na Europa que ficam em risco, promovendo-se diferenças, quando os migrantes “devem ter os mesmos direitos que outros cidadãos da União Europeia”, concluiu.

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