O vice-presidente da Academia Europeia de Alergologia e Imunologia Clínica (EAACI) alertou hoje que os casos de anafilaxia têm vindo a aumentar em Portugal, sobretudo em crianças, mas o desconhecimento sobre esta reação alérgica grave é significativo.
“É muito importante que o país assuma isto como um problema de saúde pública. Em todos os países da Europa existem programas nacionais de alergia. Portugal está um bocadinho desfasado e um bocadinho atrasado. Temos legislação especificamente para as escolas, mas que tarda em ser cumprida”, disse André Moreira, que é também professor de Imunoalergologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Segundo André Moreira, que falava à Lusa no âmbito do Dia Mundial da Anafilaxia que se assinala na sexta-feira, “na União Europeia, nos últimos 20 anos, quadruplicaram as idas à urgência por anafilaxia em situação alérgica mais grave e potencialmente fatal, mas a perceção para este problema continua a ser muito baixa”.
A anafilaxia é uma reação sistémica potencialmente fatal que pode envolver vários órgãos e que exige intervenção médica imediata.
Esta reação pode ser desencadeada por alergénios, como alimentos (ovos, leite, frutos secos, marisco, entre outros), picadas de insetos, medicamentos ou látex, estimando-se que afete cerca de 1% a 2% da população mundial.
“Quando somos expostos a um alérgeno, o nosso sistema imunológico pode reagir de forma exagerada, libertando grandes quantidades de substâncias químicas, como a histamina, que desencadeiam uma série de sintomas”, descreveu o especialista.
Os sintomas podem ser, entre outros, dificuldade respiratória, queda abrupta da pressão arterial e choque.
Em causa está uma doença que “pode afetar qualquer pessoa, a qualquer momento, mas com reconhecimento precoce, prevenção e preparação, muitas vidas podem ser salvas”.
“Portugal segue uma curva nesta epidemia das doenças alérgicas com algum atraso em relação ao resto da Europa. Sabemos como é que isto vai acontecer comparando com outros países. No Reino Unido, por exemplo, numa turma de meninos de 10 anos, existe uma criança com risco de anafilaxia por alergia alimentar. Em Portugal, estamos a falar de mais ou menos uma criança em cada seis a sete turmas, mas sabemos que daqui a 10 anos o panorama será completamente diferente”, apontou.
Atualmente não existem fármacos específicos para tratar a doença e apenas recentemente é que esta é codificada. O tratamento imediato com adrenalina é a medida mais eficaz para evitar complicações graves ou desfechos fatais.
“Estudos internacionais mostram que apenas cerca de um terço dos doentes receberam adrenalina administrada por profissionais de saúde, sendo que a utilização de autoinjetores por leigos é ainda mais baixa. Além disso, muitos dos doentes que deveriam ter adrenalina autoinjetável não a possuem ou não a utilizam no momento da reação, o que reforça a necessidade de maior literacia e melhor preparação da comunidade”, lê-se num comunicado da FMUP enviado à Lusa.
É também por isto que André Moreira reforça a importância da prevenção e da informação, lembrando que não são os doentes e as famílias que vivem este problema quem mais necessita de sensibilização porque esses, habitualmente, já tomam todos os cuidados.
“Há um conjunto de medidas que têm que ser tomadas, quer em ambiente escolar, quer em ambiente de restauração. Quem coloca em risco não é propriamente nem o doente nem a família, mas as outras pessoas (…). Aproximamo-nos agora de uma altura crítica, as festas de Natal. A alergia mais comum é aos frutos de casca rija, frutos secos. Portanto, percebe-se imediatamente o pânico que é para uma família as festas de Natal na escola ou uma ida a casa de amigos porque inadvertidamente a criança pode ter contacto”, descreveu.
“E, depois em idades diferentes, quando se namora, aquilo que o namorado ou companheiro come um beijo, são comportamentos que podem colocar a vida em risco”, acrescentou.
O Dia Mundial da Anafilaxia foi criado pela EAACI no ano passado e será, pela primeira vez, assinalado em Portugal com a estreia internacional do documentário “Triggered: The Reality of Anaphylaxis” e um momento de partilha com especialistas europeus que decorrerá na sexta-feira, às 10:00, na FMUP.