A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) considera os Centros de Elevado Desempenho, que o Governo quer criar na área da Obstetrícia e Ginecologia, um modelo “opaco, economicista e divisionista”, que fragiliza a formação dos internos.
Em comunicado, a FNAM, que se reuniu para analisar os diplomas relativos tanto a estes centros como às urgências regionais, acusa o Governo de “falta de transparência” e “má-fé negocial”, por não ter disponibilizado na íntegra os textos dos documentos, sublinhando que tal impede uma “análise técnica e jurídica séria”.
O Governo anunciou na semana passada a aprovação da criação dos Centros de Elevado Desempenho em Obstetrícia e Ginecologia, que deverão começar a funcionar em 2026 “a título experimental”, prevendo incentivos financeiros com base na produtividade e na qualidade dos cuidados.
Segundo a informação divulgada, estes centros começarão a funcionar como projetos-piloto nas Unidades Locais de Saúde (ULS) de Santa Maria, Santo António, São João, Almada-Seixal, Loures-Odivelas e Maternidade Alfredo da Costa.
Para a FNAM, estes centros desvirtuam o princípio constitucional de acesso universal aos cuidados de saúde pois a proposta assenta numa premissa “profundamente errada” ao reorganizar a rede de urgências e serviços especializados em função da escassez de médicos.
“A rede de urgências deve ser adaptada às necessidades da população, não à falta de profissionais que o próprio Governo provocou com políticas desmotivadoras e desestruturantes”, refere a federação.
Aponta ainda a falta de enquadramento legal e institucional e o risco de desregulação, ao permitir que a criação dos centros parta das próprias ULS.
“Cada unidade poderá definir critérios distintos, estruturas próprias e sistemas internos de incentivos”, afirma a FNAM, considerando que isto “conduz a uma completa desregulação e fragmentação” dentro do Serviço Nacional de Saúde, criando “um sistema de 20 ou 30 ‘mini SNS’, sem uniformidade de critérios, hierarquias ou regras”.
A FNAM aponta ainda a “ambiguidade na constituição das equipas e critérios de seleção”, acrescentando que o diploma fala em “adesão voluntária”, mas quem escolhe os profissionais é o Conselho de Administração da ULS, que – avisa – pode “excluir médicos que não cumpram o perfil”.
Diz ainda que a proposta é “um erro grave e um passo perigoso na fragmentação do SNS”, considerando que cria “desigualdades, incentivos arbitrários e estruturas paralelas sem coordenação nem critérios claros”.
Quanto ao diploma das urgências regionais, volta a insistir que se trata de uma posposta “juridicamente inconsistente, constitucionalmente duvidosa e operacionalmente perigosa”, que “fragiliza o SNS” e “viola o direito à saúde, o direito laboral e a autonomia profissional”.
Diz igualmente que a centralização de serviços de urgência prevista na proposta coloca em causa a idoneidade formativa dos hospitais e das respetivas unidades, para efeitos de formação médica especializada, o que ajudará a reduzir a capacidade do SNS, desmotivar os médicos internos e quebrar a continuidade das equipas formadoras, além de comprometer a continuidade assistencial e pedagógica.
Segundo anunciou o Governo na semana passada, a primeira urgência regional a entrar em funcionamento será na Península de Setúbal, na área de Obstetrícia e Ginecologia, que deve arrancar no início do ano.
Os três hospitais dessa região – de Setúbal, do Barreiro e de Almada – vão manter toda a atividade programada das maternidades e bloco de partos e a urgência externa será centralizada no Hospital Garcia de Orta e o Hospital de Setúbal, que não terá urgências abertas para o exterior, ficará a receber emergências referenciadas pelo INEM.