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Estudo diz que ensino das Ciências Farmacêuticas estagnou e propõe reorganização dos curriculos

Lusa
18-09-2025 12:23h

Um estudo promovido pela Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde (SPFCS) sobre o ensino das Ciências Farmacêuticas conclui pela “preocupante estagnação curricular” e pede um alinhamento com as exigências contemporâneas da profissão.

O trabalho apresenta uma análise ao ensino pré-graduado das Ciências Farmacêuticas em Portugal, com foco nos mestrados integrados em Ciências Farmacêuticas das três principais faculdades públicas: Universidade de Coimbra (FFUC), Universidade de Lisboa (FFUL) e Universidade do Porto (FFUP).

O ensino dos profissionais farmacêuticos é regulamentado na União Europeia (UE) desde 2005, através de uma diretiva que reforçou o pendor clínico da intervenção do farmacêutico e valorizou as capacidades de análise crítica, tomada de decisão informada e aplicação rigorosa da ciência ao medicamento e à saúde pública.

A investigação agora divulgada, que cobre o período entre 2010 e 2025, baseia-se na análise documental dos planos de estudo publicados em Diário da República e na avaliação dos conteúdos programáticos das unidades curriculares obrigatórias.

Entre as principais conclusões estão a inércia dos planos curriculares, que “permanecem praticamente inalterados há mais de uma década”, refere a SPFCS, sublinhando que as alterações entretanto verificadas “são pontuais” e concentram-se, sobretudo, no quinto ano mestrado integrado de Ciências Farmacêuticas, “sem impacto significativo na estrutura global dos cursos”.

“Esta estagnação contrasta com a evolução acelerada da profissão farmacêutica, marcada por novas exigências clínicas, regulamentares e tecnológicas”, lembram os autores, que apontam ainda para a “falta de centralidade do medicamento nos planos de estudo”.

“Apesar de ser o eixo estruturante da profissão farmacêutica, o medicamento continua a ser abordado de forma marginal e fragmentada, sem uma integração sólida ao longo dos cinco anos de formação”, referem.

Consideram ainda que áreas emergentes como farmacogenómica, farmácia clínica, avaliação de tecnologias de saúde e regulação do medicamento “estão sub-representadas ou mal distribuídas nos currículos”, considerando que esta situação “compromete a preparação dos futuros profissionais para os desafios reais da prática farmacêutica”.

Os autores do estudo consideram ainda que o ato farmacêutico está “desvalorizado” nos currículos, explicando que a carga letiva atribuída às unidades curriculares diretamente associadas aos atos próprios da profissão “representa apenas cerca de 30% do total”do mestrado integrado.

“Em contraste, áreas como microbiologia, bromatologia e análises clínicas continuam a ocupar uma fatia desproporcional do plano de estudos, apesar de não serem prioritárias segundo a legislação atual”, referem, considerando que esta desproporção “revela um desalinhamento” com a diretiva europeia.

O estudo conclui que o estágio curricular não tem a profundidade necessária para preparar os estudantes para o exercício profissional e aponta igualmente para a ausência de uma abordagem “One Health” (uma só saúde) nos currículos.

Face ao diagnóstico feito, os autores propõem uma reorganização dos currículos, com reforço das áreas de farmacologia, farmacoterapia e farmácia clínica, e a criação de um ciclo de ensino clínico pré-graduado, com simulação integrada.

Sugerem ainda que sejam atualizadas as áreas de sociofarmácia, farmacoeconomia e regulação e que sejam excluídas ou reduzidas as unidades curriculares que consideram “desajustadas face à prática profissional atual”, nomeadamente as de bromatologia, hidrologia, toxicologia mecanística e matemática pura, sugerindo que passem a ser opcionais ou a integrar ciclos de estudos pós-graduados.

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