A presidente da Liga Contra a Sida alertou hoje que retirar a educação sexual da disciplina de Cidadania é um retrocesso de 40 anos, pode agravar o estigma, a desinformação e os diagnósticos tardios de infeções sexualmente transmissíveis.
O alerta de Maria Eugénia Saraiva à agência Lusa surge na sequência das novas aprendizagens essenciais propostas pelo Governo para a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, em consulta pública desde segunda-feira, que deixam de incluir a sexualidade e saúde sexual no ensino básico e secundário.
“Se a proposta do Governo avançar - eu duvido, e por isso apelo para que organizações não-governamentais, mas também investigadores, professores, se juntem - Portugal poderá perder uma das suas principais ferramentas de prevenção” de infeções sexualmente transmissíveis (IST), avisou a psicóloga e especialista em sexologia.
A presidente da Liga Portuguesa Contra a Sida (LPCS), instituição mais antiga na área do VIH em Portugal, sustentou que “a ausência de formação estruturada nas escolas pode aumentar o número de diagnósticos tardios, reduzir o uso de métodos de prevenção e reforçar o estigma e a desinformação na área do VIH e outras infeções sexualmente transmissíveis”.
Nesse sentido, considerou que esta medida representa “um retrocesso de mais de 40 anos na promoção dos direitos humanos e na prevenção de abusos”.
“Num país onde ainda há casos de abusos sexuais, violência no namoro, baseada no sexo ou orientação sexual, discriminação e desinformação, remover o acesso sistemático à educação sexual é negar uma resposta concreta a problemas reais, do nosso dia-a-dia e não me parece correto voltar aos silêncios do passado. Esta formação é fundamental na medida que promove empatia, respeito e ainda cidadania ativa”, defendeu.
No seu entender, “a educação sexual é um direito humano que não se pode revogar”, sendo uma matéria que estava integrada na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e em projetos de Educação para a Saúde, ao abrigo da lei de 2009 que estabelece o seu enquadramento legal e pedagógico.
“A educação sexual tem sido marcada por avanços legais e sociais significativos, mas não tem sido linear. A partir do ano 2000 (…) houve uma aposta em formação de professores, criação de gabinetes de apoio nas escolas e o envolvimento da comunidade escolar e de centros de saúde e associações como a LPCS, integrando a educação sexual nos currículos escolares”, recordou.
Apesar de serem poucas horas anuais de formação, havia espaço nas escolas para abordar estes temas, ficando demonstrado que “não se trata apenas de uma disciplina curricular, mas de uma ferramenta essencial para proteger, informar, empoderar os jovens, ensinando a dizer não”, defendeu.
“Contrariamente ao que muitos pensam”, quando a LPCS é convidada a ir às escolas não tem apenas como objetivo ensinar a colocar o preservativo, mas também abordar o tema da educação sexual, falando sobre prevenção, métodos de proteção, e promover o rastreio precoce que é essencial para interromper cadeias de transmissão.
“No fundo, capacitar os jovens para reconhecer sinais de alerta e procurar apoio junto de quem os pode orientar, que é fundamental”, disse, elucidando que os países que não têm programas de educação sexual, registam maiores taxas de IST e gravidezes precoces.
Estima-se que 46.764 pessoas vivam com VIH no país, com 95% já diagnosticadas. Em 2023, foram notificados 924 novos casos de VIH, sendo a maioria em homens entre os 20 e os 39 anos.
Cerca de 58% dos diagnósticos são tardios, o que compromete o tratamento e aumenta o risco de transmissão, alerta a LPCS.