Doentes relatam que ainda há médicos que não os encaminham para tratamento da obesidade, aconselhando apenas a “comer menos e mexer-se mais”, agravando um problema de saúde pública, com custos diretos anuais superiores a 1,14 mil milhões de euros.
O alerta foi feito hoje à agência Lusa pelo presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), José Silva Nunes, a propósito do Dia Nacional da Luta Contra a Obesidade, que será assinalado no sábado.
Questionado se a falta de médicos de medicina geral e familiar nos cuidados de saúde primários pode ser um entrave ao início do tratamento, o endocrinologista afirmou “claramente que sim”, mas sublinhou que “a barreira ainda é maior” se o médico não reconhecer a obesidade como uma doença.
“Tenho alguns doentes que reportam isso, que tiveram dificuldade que o médico os encaminhasse para tratamento, seja cirúrgico, seja não cirúrgico, porque o que lhes era dito é que tem que comer menos e mexer-se mais”, contou.
José Silva Nunes lamentou que não haja “um reconhecimento da base neurobiológica da obesidade por muitos profissionais de saúde, médicos e não médicos”.
“Obviamente que a dificuldade de acesso aos cuidados de saúde primários é uma barreira, mas mesmo havendo essa acessibilidade, é importante que o profissional de saúde (…) reconheça que [a obesidade] é mesmo uma doença e que depois trate o doente”, precisou.
“Se não tem meios para tratar, deve encaminhar essas pessoas para tratamento. Agora, o que não podemos é fechar os olhos a este problema, não reconhecendo a existência desta doença e deixando que estas pessoas continuem sem tratamento”, alertou.
O especialista adiantou que há um esforço para melhorar o acesso ao tratamento, com o lançamento, ainda este ano, do percurso de cuidados integrados da pessoa com obesidade da Direção-Geral de Saúde, que definirá o modelo de atendimento e de seguimento do doente nos cuidados de saúde primários e hospitalares.
Alertou, por outro lado, para o aumento da prevalência da obesidade, com “uma repercussão brutal em termos da saúde global das populações”, uma vez que é fator de risco para mais de 200 doenças, entre as quais cardiovasculares, cancro e respiratórias.
“Apesar de todas as medidas tomadas em termos de prevenção, a realidade nacional e internacional é que se trata de uma doença cuja expressão não para de aumentar, o que cria um problema grave em termos dos sistemas de saúde”, afirmou.
Sublinhou que a prevenção é “uma arma extremamente importante”, mas “falha muitas vezes e quando falha surge a doença” que é necessário tratar, representando “um peso grande nos sistemas de saúde”.
”Temos agora fármacos que são muito mais potentes para tratar a obesidade, mas são caros e não são comparticipados, limitando grandemente a acessibilidade das pessoas que padecem desta doença a um tratamento eficaz”, lamentou.
Embora reconheça os custos desta comparticipação para o Estado, defendeu que, a médio e longo prazo, terá benefícios em termos de custo-efetividade, sendo necessário dar “o primeiro passo”.
“A cirurgia, apesar de tudo, o SNS ainda providencia a custo zero. É verdade que há longos tempos de espera, mas há uma luz ao fundo do túnel. Em relação aos fármacos, não havendo comparticipação (…) é mesmo a impossibilidade no atingimento dessa arma terapêutica”, assinalou.
José Silva Nunes realçou os elevados custos que comporta tratar a obesidade, mas não a tratar implica também “custos extremamente elevados”, em termos de todas as outras doenças que advêm da obesidade.
Segundo o estudo Custo e Carga da Obesidade, publicado no final do ano passado, a obesidade e a pré-obesidade representam um custo direto anual de 1,14 mil milhões de euros em Portugal.
“Até do ponto de vista económico, a obesidade tem um impacto brutal, correspondendo a muito perto de 6% dos gastos em saúde”, realçou José Silva Nunes.
Em 2022, o excesso de peso afetava 37,3% da população adulta portuguesa e a obesidade 15,9%.