Na Guiné-Bissau há serviços de saúde em que o único apoio à população é a boa vontade de quem está a receber pela primeira vez formação para emergências num país onde falta o básico na área da saúde.
“Aprender para Salvar” é o lema de um novo projeto da Organização Não Governamental (ONG) Together Internacional Portugal que está a ajudar a dar os primeiros passos na emergência médica com a abertura de uma escola e formação a entidades nacionais e internacionais.
Benedita Encussem nunca tinha recebido uma formação como esta e depois do que aprendeu com os voluntários da Together garante à Lusa que vai fazer mudanças no centro de saúde de Bindouro, na zona de Mansoa, onde trabalha praticamente sozinha.
Agora já sabe como dar os primeiros socorros numa comunidade longe da capital, Bissau, onde têm “muitas faltas” na saúde e onde “é difícil”, mas tenta “fazer o máximo para corresponder às necessidades da população”.
Nas regiões, como conta à Lusa, “o sistema é ainda bastante fraco e por isso haver um contacto bem treinado, pelo menos para os primeiros socorros, é uma capacidade importante para o país”.
O único apoio para a comunidade de Bindouro descreve que os “maiores problemas” com que se depara no dia a dia são “diarreias, vómitos, conjuntivites, otites” e agradece a oportunidade de ter participado nesta formação.
A Associação Together formou nas últimas semanas profissionais e também funcionários de organizações como a cooperação portuguesa ou a união Europeia.
Durante estas semanas foram formadas cerca de 80 pessoas e, destas, 14 técnicos de saúde que vão dar continuidade à formação na nova escola já em funcionamento.
Trata-se do primeiro centro de formação em emergência médica e catástrofe da Guiné-Bissau, segundo o presidente da Together Portugal, Ricardo Bordón, um médico que trabalha há 28 anos no INEM e ajudou a instalar a rede de emergência médica em Portugal.
Habituado a trabalhar em cenários de catástrofe pelo mundo, o médico chegou à Guiné-Bissau com a associação para um projeto na área da diabetes, uma doença com prevalência elevada no país africano.
Notou a ausência de preparação local para respostas urgentes e decidiu avançar com o projeto para ajudar a dar os primeiros passos na emergência médica.
Na nova escola vai ser ministrado um curso de suporte imediato de vida e está a ser preparada uma ambulância-escola conjuntamente com o serviço nacional de bombeiros e proteção civil e o Ministério da Saúde guineenses.
A escola tem cursos de emergência médica em catástrofe, gestão de crises complexas, gestão de eventos e “nos cursos são escolhidos os melhores para continuarem como formadores”.
“A nossa finalidade é partilhar aquilo que sabemos, reforçar a capacidade da Guiné-Bissau, apoiar estas pessoas, que são boas, que continuem na área da emergência médica, que não existe na Guiné-Bissau”.
Segundo o médico, é preciso sobretudo “dar ao povo da Guiné-Bissau as ferramentas todas para que tenha um bom sistema de emergência médica, não só para os guineenses, mas também para que os turistas, para os portugueses, para que os estrangeiros se sintam seguros quando chegam à Guiné com um sistema capaz de socorrê-los no caso de uma situação grave de emergência”.
A jovem médica portuguesa Joana Silva é uma das voluntárias da Together que deu a primeira formação na Guiné-Bissau, onde teve oportunidade de contactar com algumas realidades locais diferentes daquelas com que trabalha em Portugal.
“É muito duro, mas é muito importante nós percebermos, no meu caso que exerço em Portugal, o que temos de bom e perceber e contactar com situações no hospital que se estivessem em Portugal se salvavam. É muito duro e por isso é importante ter esse contacto”, diz.
O projeto da emergência médica é apoiado pela Cooperação Portuguesa e pela União Europeia, que quiseram dar formação também aos respetivos colaboradores na Guiné-Bissau, entre eles Elisabete Silva, que realçou à Lusa a importância das manobras que aprendeu.
“É muito útil. Eu sinto que já poderei fazer alguma coisa”, considera, com o colega Ivo Baldé a evidenciar o novo estatuto que a formação lhe confere: “ela é uma médica comunitária”.
Os mais próximos são quem apoia nas comunidades da Guiné-Bissau “onde as pessoas não vão para o hospital, não procuram os médicos”, segundo Ivo Baldé, que agora anda sempre com uma máscara para, se for necessário, fazer manobras de reanimação.
“Agora vou ser um agente comunitário, isso quer dizer que na minha comunidade, no meu bairro onde eu estou poderei servir como uma pessoa de recurso nessa situação”, refere, salientando que as manobras que aprendeu “podem fazer a diferença”.
“Eu já assisti muitas vezes a crianças a falecerem por causa de mínimos cuidados que nós não sabíamos, agora com essa formação já estamos à altura de apoiar, de ajudar as pessoas a livrarem-se desse mal”, afirma.
Também o embaixador da União Europeia na Guiné-Bissau, Artis Bertulis, fez três dias de formação e de treino para adquirir capacidades pessoais porque entende que “em caso de pequenas surpresas e acidentes, é muito importante estar treinado para estas situações”.
O embaixador de Portugal em Bissau, Miguel Cruz Silvestre, fez a formação e explica à Lusa o apoio da Cooperação Portuguesa a este projeto, financiado pelo instituto Camões.
A rubrica saúde, trabalho e assuntos sociais absorveu um quarto dos mais de 80% executados dos 60 milhões de euros disponibilizados por Portugal à Guiné-Bissau no Programa Estratégico e Cooperação em vigor desde 2021 até 2025.
Segundo o diplomata, Portugal aposta “muito na área profissional porque é através da capacitação, quer na formação, quer na prestação de cuidados de saúde”, que se alcançará os objetivos assentes na conjugação de vontades dos dois países, envolvendo associações da sociedade civil e outras entidades.