A coordenadora do Aparece alertou hoje para o risco de encerramento do centro para adolescentes caso não lhe seja devolvido o espaço retirado na pandemia, onde se garantia a privacidade dos jovens que agora recorrem cada vez menos ao serviço.
Faz hoje 24 anos que o Aparece – Saúde Jovem foi criado pelo Ministério da Saúde para que os adolescentes da região de Lisboa tivessem um espaço dedicado exclusivamente aos seus problemas e pudessem partilhar todas as suas dúvidas num espaço confidencial e privado.
Mas passados estes anos, advertiu a coordenadora do Aparece, Maria de São José Tavares, tudo o que foi conquistado em termos de indicadores de ganhos de saúde “vai ter um retrocesso enorme”, porque o centro “está em vias de desaparecer”.
“A Aparece está numa situação de uma grande, grande fragilidade e com grande risco de fechar e de não ter capacidade de se projetar no futuro, no muito curto, médio e longo prazo”, lamentou a médica, alertando que têm cerca de “3.500 adolescentes no ativo”, metade dos quais sem médico de família, que vão ficar sem apoio”.
Para evitar esta situação, a coordenadora apelou ao Ministério da Saúde para investir neste centro, devolvendo-lhe um espaço físico com condições de atendimento adequadas.
Esta situação deveu-se ao Aparece ter sido obrigado a deixar o espaço que ocupava no piso 01 do Centro de Saúde de Sete Rios, em Lisboa, por este local ter sido transformado num covidário em agosto de 2020, passando o atendimento para salas dispersas, o que obriga os jovens a cruzarem-se com os outros utentes, uma situação que “prejudicou imenso todos os indicadores do Aparece”, nomeadamente a acessibilidade, a confidencialidade e a privacidade e o bem-estar dos adolescentes.
Até há três anos, a sala de espera estava sempre “cheia de adolescentes” e a procura “era imensa”, mas desde então as consultas do dia tiveram uma quebra de mais de 50%, salientou a impulsionadora do Aparece, o único “Youth Friendly Service” em Portugal, que tem sido uma referência nacional para adolescentes, famílias, e profissionais de saúde.
“Neste momento, continuamos a ter imensas consultas e imensa procura, mas com características diferentes, com consultas programadas”, sendo que a génese do centro era ser “um centro de porta aberta, com uma grande acessibilidade para os adolescentes”.
Por outro lado, a equipa, constituída por dois médicos, enfermeira, psicóloga e administrativa, também foi muito reduzida, o que, apesar do grande esforço que faz, se reflete no tempo de espera para consulta programada, que passou de menos 48 horas para um mês em três anos.
“Já fomos 13 médicos, passamos para seis, para quatro, e agora estamos dois. Eu estou a tempo inteiro, com 30 horas, e o outro colega com quatro horas, o que é claramente inferior ao desejável”, sublinhou.
De acordo com a médica, as situações dos jovens que chegam ao Aparece são muito problemáticas e vão desde situações familiares complexas, consumos, problemas de comportamento alimentar, violência, distúrbios mentais.
“Há outras situações que não são complexas, mas são necessidades do dia-a-dia do adolescente que, se não forem respondidas, claramente vão ter problemáticas muito mais complicadas”, disse, dando como exemplo a contraceção de emergência.
“É um método que usam muito e que tem que ser dada nas primeiras 24 horas. Se não tiverem resposta, a probabilidade de poderem ter uma gravidez não desejada é alta”, disse, rematando: “É uma pena que se deixe fechar um serviço como estes”.
Ao longo dos últimos 24 anos, o centro tem realizado cerca de 5.000 consultas por ano, com um crescimento anual sustentado de 15% de novas consultas, e a vinculação dos adolescentes ao Aparece é comprovada pelo facto de muitos efetuarem a sua vigilância durante 12 anos.