O Presidente da República afirmou hoje que irá aguardar até ao último segundo da votação do Orçamento do Estado para 2022 na generalidade e, caso se confirme o chumbo, iniciará logo o processo de dissolução do parlamento.
"Até ao último segundo eu mantenho aquilo que disse: o mais desejável e aquilo que eu esperaria que acontecesse é que o Orçamento passasse. Como sabem, se de todo em todo isso for impossível, se for impossível, eu inicio logo, logo, logo a seguir o processo [de dissolução]", declarou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas.
O chefe de Estado, que falava à saída do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa, referiu que o processo de dissolução implica, "depois de ouvir o senhor presidente da Assembleia e o senhor primeiro-ministro, ouvir os partidos políticos e convocar o Conselho de Estado".
O PCP comunicou hoje que vai votar contra o Orçamento do Estado para 2022 já na votação na generalidade, que está marcada para quarta-feira, confirmando uma intenção anunciada logo no dia seguinte à entrega da proposta do Governo.
Com os votos contra dos 10 deputados do PCP, somados aos dos 19 do BE e aos 86 dos partidos à direita (79 do PSD, 5 do CDS-PP, 1 do Chega e 1 da Iniciativa Liberal), o Orçamento do Estado para 2022 será chumbado na generalidade, com um total de 115 votos contra.
No domingo, também o BE reiterou que irá votar contra – embora condicionando essa decisão à manutenção por parte do Governo da recusa em ir mais além na negociação das nove medidas reivindicadas por este partido – o Orçamento para 2022 na generalidade, como tinha feito em relação ao Orçamento para 2021.
O Governo, através do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, disse entender como definitiva a posição transmitida pela coordenadora do BE, Catarina Martins.
Deixando claro que em caso de chumbo do Orçamento avançará de imediato com o processo de dissolução do parlamento e de convocação de eleições legislativas antecipadas, o Presidente da República reiterou, no entanto, a mensagem de esperança num entendimento ao momento da votação na generalidade.
Marcelo Rebelo de Sousa prometeu que irá "ver o que se passa, serenamente, com bom senso" e tentar "perceber qual é o estado de espírito dos diversos protagonistas e ver se é possível de alguma forma encontrar o número de deputados para viabilizar o Orçamento".
O chefe de Estado realçou que esta é uma conjuntura de saída da crise provocada pela pandemia de covid-19 e defendeu que "as pessoas têm de pensar que há mais vida além da semana que vem e do curtíssimo prazo".
"Portanto, vamos ponderar", apelou.
A proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2022 tem assegurados apenas votos a favor dos 108 deputados do PS e abstenções, hoje anunciadas, dos três deputados do PAN e das duas deputadas não inscritas, Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
O PEV, que tem dois deputados eleitos em coligação com o PCP, ainda não anunciou o seu sentido de voto na generalidade, mas que, mantendo-se as restantes votações anunciadas, não terá influência no resultado.
O Presidente da República avisou logo em 13 de outubro, depois de PCP e BE acenarem com o voto contra o Orçamento para 2022 já na generalidade, que um chumbo do documento "muito provavelmente" conduziria a eleições legislativas antecipadas, que estimou que se realizariam em janeiro.
No domingo, após o BE confirmar o voto contra, Marcelo Rebelo de Sousa repetiu que em caso de chumbo do Orçamento "a alternativa é a dissolução", o que considerou que "tem grandes custos para o país".
Em declarações aos jornalistas no exterior do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, o Presidente da República manifestou apreço pelo "esforço para alterar bastante a proposta inicial" de Orçamento, da parte do Governo.
"Do que me recordo, dos últimos seis anos, é talvez o ano em que há maiores alterações, fruto de negociação, tão cedo relativamente à proposta inicial do Orçamento. São muito profundas, algumas", apontou.
Ainda no domingo, confrontado com a disponibilidade do primeiro-ministro, António Costa, para se manter em funções mesmo que o Orçamento para 2022 seja chumbado, o chefe de Estado frisou que "uma coisa é o Governo não se demitir, outra coisa é ser dissolvido o parlamento".
No seu entender, será bom "o Governo continuar em funções e não se demitir – se se demitisse, agravava a situação crítica".
Nos termos do artigo 133.º da Constituição, compete ao Presidente da República "dissolver a Assembleia da República, observado o disposto no artigo 172.º, ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado".
O artigo de 172.º determina que "a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência" – condições que não se verificam nesta altura.
Por outro lado, de acordo com o artigo 186.º da Constituição, os governos ficam limitados "à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos" em duas circunstâncias: "antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua demissão".
A Lei Eleitoral da Assembleia da República estabelece que o Presidente da República marca a data das eleições legislativas "com a antecedência mínima de 60 dias ou, em caso de dissolução, com a antecedência mínima de 55 dias".