SAÚDE QUE SE VÊ

Covid-19: Multidões concentram-se em comícios no Burundi indiferentes à pandemia

LUSA
27-04-2020 17:20h

A campanha para as eleições presidenciais, legislativas e municipais de 20 de maio do Burundi começou hoje com comícios gigantescos, demonstrando até que ponto as autoridades estão a ignorar o surto do novo coronavírus.

O partido do Presidente, Pierre Nkurunziza, o CNDD-FDD, lançou a sua campanha em Bugendana, na província central de Gitega, com grande pompa e circunstância, reunindo milhares de pessoas.

Na presença de vários diplomatas e personalidades, Nkurunziza, que não se candidata à reeleição após 15 anos no poder, elogiou os méritos do seu "herdeiro", o general Evariste Ndayishimiye, a quem disse apoiar "a 100%".

"Vim para o apresentar aos burundianos, para o ouvir, para votar nele, ele não vos envergonhará", disse o chefe de Estado cessante a propósito do candidato do seu partido, que conheceu em 1995 no mato, durante a guerra civil (1993-2006).

Nkurunziza acrescentou: "Lutámos juntos, sofremos juntos, escapámos juntos à morte (...) Somos iguais, o nosso destino está ligado à vida e à morte".

"Não estou aqui para começar do zero porque lançámos as bases durante os últimos 15 anos", respondeu o general Ndayishimiye, prometendo "passar a uma nova fase" e desenvolver o Burundi, um dos países mais pobres do mundo.

Em nenhum dos discursos houve referências à pandemia de covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, que tem 15 casos registados no país e já causou uma morte.

Nkurunziza apenas agradeceu a Deus pela “alegria” que prevalece no Burundi, “enquanto em qualquer outra parte do mundo é totalmente diferente”.

Já a oposição acusou o Governo de desvalorizar deliberadamente a pandemia de covid-19 para evitar que a população questione a realização de eleições neste momento.

As autoridades, para as quais o país está protegido pela "graça divina", não forneceram praticamente nenhuma medida de proteção específica para comícios eleitorais.

Em todo o caso, a doença não tem dissuadido as pessoas de viajar.

O principal opositor de Ndayishimiye, o líder histórico da antiga rebelião FNL Hutu e candidato ao Conselho Nacional para a Liberdade (CNL), Agathon Rwasa, reuniu uma multidão impressionante em Ngozi (norte), o bastião do Presidente Nkurunziza.

Rwasa deu um passeio com camponeses agrupados de ambos os lados da estrada durante vários quilómetros até ao estádio Ngozi, onde a multidão estava num frenesim.

A NLC conseguiu mobilizar-se apesar da repressão e intimidação que afirma estar a enfrentar. No entanto, a polícia impediu vários veículos dos apoiantes da CNL de chegarem ao local, segundo testemunhas e os meios de comunicação social burundianos.

O país mergulhou num ciclo de violência e de violações maciças dos direitos humanos que deixaram 1.200 mortos e mais de 400.000 deslocados desde a candidatura do Presidente Nkurunziza a um terceiro mandato, em abril de 2015, e a sua reeleição em julho do mesmo ano.

Numa declaração divulgada hoje, a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) afirmou ter documentado vários casos de assassínios, desaparecimentos, detenções arbitrárias, ameaças e assédio de alegados opositores nos últimos seis meses.

"Não pode haver dúvidas de que estas eleições serão acompanhadas de ainda mais abusos, uma vez que os funcionários burundianos e os membros da ‘Imbonerakure’ [liga juvenil do partido no poder] utilizam a violência com quase total impunidade para permitir que o partido no poder mantenha o seu controlo", afirmou o diretor da HRW para a África Central, Lewis Mudge.

A campanha vai durar até 17 de maio, de acordo com um decreto presidencial.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 206 mil mortos e infetou quase três milhões de pessoas em 193 países e territórios. Perto de 810 mil doentes foram considerados curados.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

MAIS NOTÍCIAS