A organização não-governamental moçambicana Observatório do Cidadão para a Saúde defendeu hoje uma redefinição do plano de combate e controlo da cólera no país, considerando que a doença, um “grande problema de saúde pública”, exige uma intervenção multissetorial.
“É importante redefinir estrategicamente o Plano Nacional de Combate e Controlo da Cólera (…) investir nos mecanismos de comunicação para mudança de comportamento a nível das comunidades, priorizar a resposta multissetorial para mitigar a cólera, que eu considero a espinha dorsal da solução do problema”, disse, em entrevista à Lusa, António Mário, coordenador do pilar de participação pública no Observatório do Cidadão para a Saúde (OCS).
Para o responsável, o combate à cólera em Moçambique passa pelo envolvimento de outros setores, entre os quais o Ministério da Educação, das Obras Públicas e Habitação, dos municípios, sociedade civil, além do Ministério da Saúde.
“Vamos fazer esta coordenação e descendo em cascata para os hospitais provinciais, distritais até ao nível das unidades sanitárias e centros de saúde”, acrescentou o coordenador, fazendo também menção a necessidade de um “casamento entre a comunidade e a saúde” para a melhoria da comunicação sobre a doença.
A ONG apontou a vulnerabilidade aos desastres naturais, falta de água potável em algumas regiões e nas próprias unidades de saúde, cujo fornecimento foi interrompido por diversos motivos, como elementos que propiciam a rápida propagação da cólera em Moçambique.
António Mário acrescentou que os fundos para prevenção da covid-19 deviam ter reduzido a deficiência no acesso a água, principalmente em escolas e unidades de saúde.
Para o Observatório do Cidadão para a Saúde, os mecanismos de prevenção da covid-19 assemelham-se aos da cólera e, por isso, a eficiência na sua aplicação podia minimizar também, atualmente, o impacto da doença no país.
“Mas nós perdemos essas oportunidades e temos estas consequências atuais por causa da nossa incapacidade de gerir os fundos de forma eficiente e transparente (…) hoje, não temos água nas escolas”, referiu o responsável, sugerindo a adoção e implementação rigorosa de um plano de contingência da cólera para mitigar os impactos da doença.
“Não basta só ter um plano, um plano por si só não vai resolver o problema. É importante que este se materialize”, concluiu António Mário.
Moçambique conta com 26 mortes e mais de 11 mil casos cumulativos de cólera desde outubro de 2023, segundo as últimas atualizações do Ministério da Saúde.
A eclosão do surto, que afeta outros países na região, trouxe um outro problema: a desinformação.
Em 17 de janeiro, o comandante-geral da polícia moçambicana, Bernardino Rafael, anunciou a morte de 23 pessoas e outras 30 que ficaram feridas devido a uma onda de desinformação sobre a cólera em Moçambique.
Os líderes comunitários e técnicos de saúde, na sua maioria, têm sido as principais vítimas dos populares sob alegações de estarem a levar a doença às comunidades.
A cólera é uma doença, tratável, que provoca fortes diarreias e que pode levar à morte por desidratação se não for prontamente combatida.
A doença é causada, em grande parte, pela ingestão de alimentos e água contaminados por falta de redes de saneamento.
Em maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que o mundo terá um défice de vacinas contra a cólera até 2025 e que mil milhões de pessoas de 43 países podem ser infetadas com a doença, apontando, já em outubro, Moçambique como um dos países de maior risco.
Moçambique é considerado um dos países mais severamente afetados pelas alterações climáticas no mundo, situação que agrava a falta de resposta de infraestruturas e serviços que permitam evitar a doença.