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Escolas de Esmoriz têm “um detetive” para ajudar crianças a identificar emoções

LUSA
19-04-2022 09:09h

O Centro Comunitário de Esmoriz está a levar a nove jardins-de-infância do concelho de Ovar três profissionais educativos que, disfarçados sob fatos de espuma como um detetive e seus assistentes, ajudam as crianças a identificar e perceber emoções.

Depois de uma primeira experiência no universo controlado da escola privada “A Nossa Casa”, em Esmoriz, o projeto “Lupas - Detetive de Emoções” viu o seu caráter inovador premiado pela Fundação La Caixa do Banco BPI e, com o financiamento daí resultante, alargou-se entretanto a mais jardins-de-infância do Agrupamento Ovar Norte, abrangendo assim um universo de cerca de 350 crianças dos 3 aos 6 anos de idade no distrito de Aveiro.

Jacinta Valente é a diretora do referido Centro Comunitário e sintetizou para a Lusa o conceito-base do programa: “Se até os adultos têm dificuldade em perceber bem as suas emoções e geri-las, imagine-se uma criança de 3 ou 4 anos, a quem nunca explicaram o que ela está a sentir, se aquilo é normal e como é que pode ser ultrapassado”.

Estruturado pela educadora social Ana Coelho, o projeto explora sete emoções básicas: “A alegria, a tristeza, o medo, a raiva, a vergonha, a surpresa e o nojo. Os miúdos conhecem-lhes os nomes, mas não sabem para que servem e nós vamos dar-lhes estratégias para que possam lidar com todas elas”.

O primeiro passo é tornar a experiência visualmente agradável, mesmo que isso signifique que Ana Coelho, juntamente com a psicóloga Ana Carvalho e a assistente Marisa Alves, tenham que prescindir de algum conforto. Isso acontece porque, em cada dia, as três profissionais revezam-se por diferentes trajes e funções antes de entrar numa sala de aula: uma veste-se de touca e bata branca para encarnar a personagem Mãozinhas, que apoia as crianças na execução dos trabalhos manuais relacionados com as emoções, e as outras duas escondem-se sob largo quilos de espuma para darem corpo e voz ao detetive Lupas, com o seu fato de tweed, lupa gigante e bigode de pontas reviradas, e à sua assistente Mi, de bandolete turquesa em cabelo cor-de-rosa.

Desenhadas pelo ilustrador Bruno Gaspar e fabricadas pela empresa Linha Limão, essas mascotes provocam o delírio da turma mal entram numa das salas que a Escola da Relva reserva para os mais pequenos. Os mais introvertidos arregalam os olhos e observam muito silenciosos os bonecos de quase dois metros de altura, os extrovertidos fazem-lhes perguntas e insistem na conversa, os mais meigos pegam na mão da Mi e do Lupas num gesto de amizade e miminho.

Quando todas as crianças se sentam, a Mi começa então a contar uma história sobre o medo, que é a emoção do dia. “A história é o quebra-gelo para desmistificar o medo e provocar a troca de ideias”, explica Ana Coelho, antes de uma série de dedos no ar dar início às confissões: “Eu tenho medo de aranhas”, “eu de dinossauros”, “a mim é fantasmas” e seguem-se ainda, crocodilos, cobras, tubarões, lobos maus, abelhas e até vespas asiáticas.

Se alguns medos não são contestados, outros provocam debate. Quando uma menina diz muito baixinho que tem medo quando o pai a levanta nos braços “muito alto, junto ao céu”, por exemplo, há uma hesitação coletiva porque ninguém parece perceber se o que a assusta é o azul, o vazio ou a altura, e, cheia de sentido prático, é outra miúda que esclarece: “Tu tens é medo de cair”.

Ora como “quem tem medo compra um cão”, é esse o amuleto proposto pelo Lupas: cada criança da turma recebe do detetive um boneco estofado em tecido branco, que, logo depois, decora a seu gosto de acordo com o que considera um canídeo corajoso. Todos lhe pintam nariz e boca na zona do focinho, mas, terminados os trabalhos de ilustração, não há dois cães iguais: uns têm um olho de cada cor, outros exibem mangas às risquinhas, há ainda os que ficam com o nome do dono tatuado no corpo e outros que exibem flores na barriga.

Quando as pinturas terminam, todos dançam ao som da “Canção das emoções”, cuja música e letra sabem de cor, e depois correm a guardar o seu cãozinho numa caixa individual de cartão, concebida como cofre de amuletos. “Todas as crianças ficam com o seu boneco e guardam-no para o irem buscar quando precisarem dele”, conta a psicóloga Ana Carvalho. Da coleção de talismãs guardada na caixa também já consta um chapéu de alegria, uma varinha mágica contra a tristeza e um pote de calma.

Uma das grandes exigências do projeto é, aliás, criar esses materiais de apoio para 350 crianças, o que, contabilizando “um amuleto por cada uma das sete emoções em causa”, dá 2.450 peças de costura ou bricolage, na sua maioria executadas por Marisa Alves, reputada pelas suas “mãos de anjo para manualidades”.

A avaliar pelo comportamento dos destinatários das suas peças, esses dotes confirmam-se: a Soraia abraça-se ao seu cão e aperta-o contra a bochecha; o Bernardo traz o seu a cumprimentar a jornalista; a Benedita e o Toni gostam de lantejoulas, mas optam por cães discretos; o Francisco batizou o seu de “Coquinhas”, enquanto o Malone quis um cão homónimo; o Emanuel pintou um coração na orelha do canídeo; o Santiago preferiu o seu com as orelhas no lugar das pernas e a Íris tem-nas no sítio certo, mas pintou uma de rosa e outra de azul.

No cão do Emanuel é que há mais animais além daquele que ladra. “Então tu puseste aranhas no teu cão? Como é que não tens medo de tantas aranhas?”, pergunta-se ao artista. “Porque não é preciso”, diz ele. “Eu sou maior do que elas”.

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