O Aparece, um centro de atendimento para adolescentes, em Lisboa, vai dar lugar a uma área dedicada à covid-19, uma situação que está a preocupar pais e a coordenadora do serviço, devido à possível perda de privacidade dos jovens.
No centro de saúde de Sete Rios, onde funciona o atendimento, e na página do Facebook do Aparece – Saúde Jovem, criado em 1999 pelo Governo para que os adolescentes tivessem um espaço confidencial dedicado aos seus problemas, está a informação da mudança provisória das instalações devido à pandemia de covid-19.
“No piso 1 (local do Aparece) a partir de 15 de agosto funcionará o Covidário. Sabemos que esta mudança vai trazer dificuldades acrescidas aos adolescentes até aqui habituados a uma equipa multidisciplinar, no Espaço Aparece”, lê-se na informação assinada pela coordenadora do centro, a médica Maria São José Tavares.
Alguns pais manifestaram preocupação à Lusa com esta mudança, por recearem que os filhos abandonem as consultas por deixarem de ter a privacidade que tinham naquele espaço criado para eles e passarem a ser atendidos num local onde utentes esperam por outras consultas no centro de saúde.
“Era um local onde se sentiam à vontade e se relacionavam bem com a equipa. Com esta mudança, podem não querer ir à consulta”, disse Maria Isabel, mãe de um adolescente acompanhado no Aparece.
Este receio também é manifestado pela coordenadora do centro: “É evidente que isto traz alguma perturbação”, acrescentando: “Vamos tentar minimizar ao máximo todos os constrangimentos e o impacto que esta situação vai ter”.
Maria de São José Tavares contou que esta mudança de instalações “trouxe desconforto à equipa que, neste momento, vai trabalhar em contexto mais disperso, o que torna a dificuldade de coesão da equipa maior”.
Mas fundamentalmente é o impacto para o adolescente que “perdeu comodidade” no acesso à equipa multidisciplinar, que neste momento “está dispersa”, lamentou a médica, elencando como maiores problemas “a privacidade, a confidencialidade e a acessibilidade”.
Em declarações à Lusa, a diretora-executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Lisboa Norte, Eunice Carrapiço, explicou que “a única coisa que aconteceu relativamente ao Aparece é que os meninos e os adolescentes em vez de continuarem a ser atendidos no piso um passam a ser atendidos no piso três”. De resto mantém-se tudo.
Continuam a ser atendidos “com a mesma equipa, exatamente no mesmo horário, no mesmo tipo de oferta de cuidados que eram prestados até agora”, sublinhou Eunice Carrapiço.
A diretora reconhece a preocupação dos pais, mas assegurou que o apoio vai ser mantido, principalmente numa altura em que os jovens estão mais isolados.
“Temos aqui um conjunto de fatores que representam também um perigo para a saúde mental dos jovens e dos adolescentes e, portanto, agora mais do que nunca queremos fazer este investimento neste apoio e manter e dar continuidade a tudo aquilo que tem sido feito até aqui”, sublinhou.
A este propósito, contou, que foi consultada a lista de espera de adolescentes para consultas de psicologia do ACES e o Aparece está a ajudar a diminuí-la com “uma resposta mais especializada”.
“É mais uma adaptação para os profissionais do que para os adolescentes que em vez de estarem no piso um estão no piso três”, vincou.
O que se passa, explicou Eunice Carrapiço, é que houve a necessidade de montar uma área dedicada à covid-19 (ADC), que visa proteger “todas as valências que funcionam nos centros de saúde de pessoas suspeitas de covid-19”.
“No agrupamento nós não temos nenhum espaço individualizado e, por isso, optámos por um jardim de infância” em Benfica, que reabre no dia 01 de setembro. Antes disso, a ADC funcionou numa unidade de saúde familiar que teve de reabrir para atender os 14.000 utentes.
“O único espaço físico que tem condições para funcionar uma ADC em todo o agrupamento” é onde está o Aparece, que está a ser alvo de “uma pequena obra de adaptação” para criar entradas distintas e circuitos autónomos do centro de saúde.
Segundo Eunice Carrapiço, foi dada a possibilidade da equipa do ir para o centro de saúde do Lumiar, onde teriam “todas as condições” para funcionar no mesmo modelo, além de ter boas acessibilidades de transportes.
Maria São José Tavares explicou que a equipa não aceitou deslocar-se para o Lumiar por ser uma mudança provisória, além de que para “os adolescentes seria ainda mais desorganizador mudar para outro centro”.
“Acho que isso teria um impacto ainda maior daí, como coordenadora, ter assumido que seria preferível ficarmos aqui no centro de saúde de Sete Rios” com “toda a força e coragem para minimizar esses impactos nos adolescentes", disse, rematando: "Estamos em tempos adversos em que as equipas têm que se adaptar".
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 701 mil mortos e infetou mais de 18,5 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 1.740 pessoas das 51.848 confirmadas como infetadas, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.