SAÚDE QUE SE VÊ

À FLOR DA PELE

Quarenta dias nisto. Confinada. Privada. Sufocada. Esmagada pela realidade. Quem não?

Quantenta já custa. E dói. Dói o corpo, doem as saudades e os dias, todos iguais.

Começo a sentir-me frágil. Honestamente, estou demasiado farta de tudo.

Já não tenho paciência para a cozinha. O número de vezes que ponho a máquina a lavar é proporcional à quantidade de vezes que me apetece partir a loiça toda. Cozinhar tornou-se um suplício e já não sei que mais inventar.

Descarrego as energias no aspirador. Limpo a casa furiosamente. Dou cabo das costas. Faço alongamentos para estragar tudo na vez seguinte.

Os cabelos brancos instalaram-se na raiz da minha cabeça. Errei na cor e detestei o resultado. Olho para as minhas unhas e vejo a passagem do tempo, numa linha cada vez maior e mais feia, que separa as cutículas do verniz de gel encarnado. Não gosto e não tenho, não sei, como tirar esta porcaria.

Durmo pouco e durmo mal. Papo séries até de madrugada e sou a primeira a acordar para arrancar os miúdos da cama e mandá-los para a escola. Que é como quem diz, mandá-los para a sala. Aquela assoalhada que, outrora, parecia saída de capa de revista transformou-se num gigante espaço de trabalho. Livros empilhados, restos de borracha e aparas de lápis por todo o lado. E cabos. Muitos cabos que se misturam e cruzam entre o tapete (já não tão branco e felpudo) e a tomada


Tenho uma vassoura, uma bola de raguebi, um Minion e uma almofada em cima de uma cadeira. Proibido arrumar, segundo o meu filho, porque é material para as aulas de educação fisica.

As aulas. Uma guerra. Uma a juntar-se às tantas que já se vivem dentro de quatro paredes. Somos quatro para três computadores. Temos de partilhar e nem sempre é fácil. E tudo é urgente.

O trabalho não espera por nenhum e a agenda está sempre preenchida. Divide-se o tempo e priorizam-se as tarefas. Um Skype interrompe o Teams. Minimiza-se uma janela de powerpoint para enviar meia dúzia de emails. Vem a impaciência e aquele olhar de soslaio de “o meu trabalho é mais importante que o teu”. Todos são. Vivemos de negociações.

Por vezes, pede-se silêncio à sala, quando se tem de gravar alguma coisa. Vicissitudes do teletrabalho e de quem, como nós, vive numa casa de betão, altamente blindada, com apenas um único lugar onde a rede de telemóvel e wifi chega.

Um gato que decide saltar, inesperadamente, para o computador. Um grito de surpresa, o mesmo gato a fugir e a derrapar na toalha de mesa e os objetos todos a espalharem-se pelo chão.

O cotão que aparece sabe-se lá de onde e que me intriga tanto quanto o mistério das meias perdidas da máquina da roupa.

A pilha de roupa por lavar e por engomar que nunca acaba. Como isto.

A sensibilidade mais à flor da pele. Já chorei por ter partido a minha chávena de café favorita e comovo-me sempre que vejo artistas fechados em casa, a alimentarem a sua arte e as nossas almas. Chorei ao ver o Papa sozinho, na praça onde já fui tão feliz. Choro sempre que vejo imagens de escolas vazias ou crianças que celebram o aniversário em casa, surpreendidas por vizinhos ou bombeiros. Abanei quando a professora da telescola se atrapalhou, perante um país inteiro. Entristece-me pensar em quem está só ou nos pais que não têm, sequer, um computador para que os filhos possam estudar. E ando eu aqui a queixar-me porque três não chegam. São quarenta dias, peço desculpa pelo desabafo.