Associações de luta contra a sida alertaram hoje que o programa que operacionaliza a disponibilização da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ao VIH em organizações comunitárias ainda não avançou, deixando centenas de pessoas em listas de espera.
A circular conjunta que prevê este alargamento da PrEP, em complementaridade com o Serviço Nacional de Saúde, foi publicada em março de 2025 e envolveu um grupo de trabalho que integrou as instituições centrais do Ministério da Saúde, as ULS São José, Santo António e São João, no Porto, e a Liga Portuguesa Contra a Sida (LPCS), a associação Abraço e o GAT - Grupo Ativistas em Tratamento,
As ULS têm agora de celebrar acordos com estas organizações, para assegurar a prestação descentralizada e comunitária da PrEP.
As três associações disseram à agência Lusa que, sem a assinatura desses acordos e o financiamento adequado, centenas de pessoas continuam à espera de consultas, sobretudo em Lisboa, onde os tempos de espera podem chegar a um ano.
“Isso é grave e corremos riscos de continuarmos a ter as infeções de VIH em vez de preveni-las”, alertou a presidente da Abraço, Cristina Sousa, no dia em que foi divulgado o relatório “Infeção por VIH em Portugal 2025”, segundo o qual Portugal registou 997 novos casos em 2024, sendo que cerca de 54% foram diagnosticados tardiamente.
Por isso, vincou, “continuamos todos à espera da aplicação de uma circular que já foi tida como urgente em fevereiro de 2024”, uma vez que a PrEP é uma medida preventiva e a demora no acesso deixa a população vulnerável à infeção por VIH.
A presidente da LPCS, Eugénia Saraiva, afirmou, por seu turno, que o principal entrave é a falta de financiamento para a ULS São José, que aguarda verbas para implementar o modelo.
Segundo Eugénia Saraiva, cerca de 300 pessoas aguardam consulta de PrEP na Liga, uma vez que “os hospitais já não dão resposta” e têm uma lista de espera superior a um ano.
Defendeu ainda que a PrEP, sempre associada ao uso de preservativo, é “um ganho em saúde” e que deve ser aplicada rapidamente para evitar diagnósticos tardios.
O GAT disse estar pronto para iniciar a dispensa da PrEP, aguardando apenas a assinatura do acordo com a ULS e os cerca de 200 mil euros de financiamento.
“Já iniciámos a PrEP com os nossos próprios recursos, mas não conseguimos ter o impacto ou a dimensão do número de pessoas em PrEP que teríamos com esse despacho”, disse o diretor executivo do GAT, Ricardo Fernandes, confessando que gostava de ter “boas notícias” no Dia Mundial da Luta Contra a Sida (01 de dezembro).
O GAT tem entre 300 a 400 pessoas à espera da consulta da PrEP, o que, disse, “não é nada comparado com alguns serviços de saúde”
Ricardo Fernandes atribuiu a elevada taxa de diagnósticos tardios à “falta de uma estratégia” nos últimos anos para aumentar o rastreio junto das comunidades mais vulneráveis, observando que, em 2024, os cuidados de saúde primários realizaram 625 testes, enquanto as organizações comunitárias realizaram mais de 68.000 testes rápidos.
“Precisamos também de ter estratégias dentro do Serviço Nacional de Saúde para diagnosticar estas pessoas que estão a chegar tarde aos cuidados de saúde”, disse, exemplificando que há experiências noutros países que conseguiram diagnosticar “um número interessante de pessoas” nas urgências hospitalares.
A presidente da Abraço defendeu a necessidade de “investimento efetivo” e trabalho conjunto, notando que muitas pessoas diagnosticadas tardiamente já tinham passado pelos cuidados de saúde ao longo dos anos sem serem testadas.
Eugénia Saraiva acrescentou que a LPCS continua a receber muitos jovens para testagem, mas precisa de apoio para conseguir chegar a mais pessoas.
“A Liga está virada para toda a população, mas temos que nos concentrar nas populações mais vulneráveis, que nos preocupam, os sem-abrigo, os imigrantes sem números de SNS, que precisam, apoio clínico, social e integrado, como conseguimos dar”. Salientou.
Também necessitam de atenção os trabalhadores sexuais, os homens que têm sexo com homens, os utilizadores de substâncias psicoativas. Contudo, afirmou, “não podemos descurar os mais jovens, nem os mais velhos, que facilmente confundem o que são métodos contracetivos com métodos preventivos”.
A presidente da Liga sublinhou ainda a importância de comunicação constante: “Não pode ser só no dia 1 de dezembro, tem que ser todos os dias”.