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Parlamento da Argentina anula veto do Presidente Milei à lei da deficiência

Lusa
05-09-2025 01:55h

O parlamento da Argentina anulou o veto presidencial à lei da deficiência, que contou com amplo apoio social, impondo o primeiro grande revés legislativo a Javier Milei.

“Este honorável Senado resolve insistir na aprovação original do projeto-lei que declara a emergência em deficiência em todo o território nacional até 31 de dezembro de 2026 (prorrogável por mais um ano)”, anunciou na quinta-feira o presidente em exercício da câmara alta do parlamento, Bartolomé Abdala, após a votação, que terminou com 63 votos a favor e sete contra.

Pela primeira vez em 22 anos, o Congresso argentino derrubou um veto presidencial.

O resultado, que obteve bem mais dos dois terços dos votos necessários, impôs um duro golpe ao plano de Milei para alcançar um excedente fiscal.

Do lado de fora do parlamento, milhares de deficientes, familiares de deficientes e prestadores de serviços de saúde festejaram a decisão.

A lei obriga o Governo a regularizar os pagamentos devidos aos prestadores e a atualizar os valores das prestações de serviço para deficientes, que passam a ser reajustadas automaticamente pela inflação. Também estabelece que pensões por invalidez no trabalho se tornem pensões por deficiência, com acesso ao programa de atendimento médico especial.

“Este é um dia de imensa alegria porque, finalmente, temos a esperança de poder reparar um pouco de tanto dano que este Governo nos tem provocado desde que assumiu. Estamos à beira do abismo quanto à qualidade de vida. É um Governo sem empatia em relação aos que necessitam”, desabafou à Lusa a fonoaudióloga Yanet Guardia, de 55 anos.

Desde dezembro de 2023, quando Javier Milei assumiu a residência, a inflação acumulada foi de 224%, enquanto as fonoaudiólogas (terapeutas da fala, da audição e da linguagem) tiveram uma atualização de 100%. O último aumento foi em dezembro passado.

A perda de poder de compra fez com que os prestadores (fonoaudiólogos, terapeutas, enfermeiros, psicólogos, psicopedagogos, transportadores) abandonassem os tratamentos.

Para reverter a situação, o parlamento aprovou, em 10 de julho, a lei de Emergência em Deficiência, vetada pelo Presidente em 02 de agosto.

Apesar desta decisão do parlamento, Milei prometeu levar o assunto aos tribunais nem que seja para adiar os reajustes salariais e ganhar tempo.

Entretanto, no dia 20 de agosto, foram divulgados ficheiros áudios do então diretor da Agência Nacional para a Deficiência argentina, Diego Spagnuolo, a descrever um esquema de corrupção, através de medicamentos para os deficientes.

O mecanismo, alegadamente comandado por Karina Milei, irmã do Presidente e secretária-geral da Presidência, ficava com 8% de todos os medicamentos comprados para os deficientes.

“Seguramente, Karina deve levar 3% ou 4%”, calculou Spagnuolo, afirmando que o Presidente sabia do esquema.

“Quando eu ouvi esses áudios senti indignação. Tive vontade de chorar. Uma pessoa que faz isso com o dinheiro para os deficientes não tem nenhum escrúpulo, é totalmente desumana. O presidente que nos representa hoje sempre fala sobre Deus e foi eleito para combater a corrupção, mas rouba justamente dos mais vulneráveis. Eu votei nele, mas me arrependi”, conta a fonoaudióloga Yanet Guardia, quem, em julho de 2024, perdeu um filho deficiente, depois de 21 anos de luta.

Guadalupe Bargiela, uma invisual de 24 anos, trabalhava como administrativa na Agência Nacional para a Deficiência até ter sido despedida sem justa causa no ano passado.

“A agência tem sido usada para desviar fundos dos deficientes. É um Governo incompetente, sem compaixão pelos mais vulneráveis. Milei usa os deficientes como variável de ajuste, impõe a sua crueldade e destila ódio por todos os lados. Espero que a anulação deste veto seja um ponto de inflexão para a sociedade”, indicou Bargiela à Lusa.

Segundo o Departamento de Orçamento do Congresso argentino, a lei de Emergência em Deficiência implica um custo fiscal de 0,26% do Produto Interno Bruto (PIB) no que resta de 2025 e de 0,46% em 2026.

O excedente fiscal acumulado até julho está em 1,1% do PIB, enquanto o compromisso com o Fundo Monetário Internacional é de 1,6% até ao final do ano.

Milei tem aplicado um severo corte no auxílio médico e nas pensões por deficiência. Cerca de 110 mil pessoas (10% do total) perderam as pensões, muitas vezes por não poderem, devido à deficiência, deslocarem-se muito quilómetros ou por não terem sido avisadas.

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