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Médio Oriente: ONG internacionais denunciam “fome à vista do mundo” em Gaza

Lusa
22-08-2025 16:41h

As principais organizações humanitárias internacionais condenaram hoje em uníssono a situação na Faixa de Gaza após a declaração oficial do estado de fome na cidade de Gaza e arredores.

Uma catástrofe “final e inevitável”, fabricada por Israel e cujos efeitos serão irreversíveis para muitas crianças do enclave palestiniano, segundo as organizações não-governamentais (ONG) Save The Children, Plan Internacional, Oxfam e Ação contra a Fome.

“O mundo tem estado a assistir enquanto crianças têm sofrido o impensável durante quase dois anos em Gaza, e agora temos a confirmação de que centenas de milhares estão a ser lentamente condenadas à fome”, criticou a diretora executiva da Save the Children International, Inger Ashing.

A responsável referia-se ao facto de a ONU ter hoje oficialmente declarado a fome na cidade de Gaza, a primeira a atingir o Médio Oriente, depois de os especialistas terem alertado que 500.000 pessoas se encontravam numa situação catastrófica.

O Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar (IPC, sigla em inglês), um organismo da ONU com sede em Roma, confirmou que há uma fome em curso em Gaza, e colocou-a na fase 5, que implica falta de acesso extrema a alimentos e água potável, deslocação forçada em grande escala e uma elevada taxa de mortalidade.

Uma situação que, segundo a declaração, se estenderá até ao final de setembro às províncias de Deir el-Balah (centro) e Khan Yunis (sul).

A declaração foi emitida após meses de alertas sobre uma situação de fome no território palestiniano devastado por uma ofensiva de Israel desde outubro de 2023.

Grupos humanitários denunciaram que as restrições impostas por Israel à entrada de alimentos e outros tipos de ajuda na Faixa de Gaza, a par da ofensiva militar, estavam a causar altos níveis de fome entre os civis palestinianos, especialmente crianças.

A fome em Gaza “podia ter sido evitada” sem “a obstrução sistemática de Israel”, acusou em Genebra o responsável pela coordenação dos assuntos humanitários das Nações Unidas, Tom Fletcher.

“Esta fome vai e deve assombrar-nos a todos”, acrescentou.

“Toda [a Faixa de] Gaza está a ser sistematicamente submetida à fome de forma deliberada, e as crianças estão a pagar o preço mais alto. O mundo falhou em agir. Esta fome provocada é o resultado final e inevitável do uso da fome como arma de guerra por parte do Governo de Israel”, concluiu a diretora da Save the Children International.

Para Ashing, esta catástrofe poderia ter sido evitada: “Não há nenhum líder mundial que não soubesse que isto ia acontecer”.

A ONG Ação Contra a Fome advertiu, por seu lado, para uma rápida deterioração da situação.

As suas equipas em Deir el-Balah, ameaçada pela fome iminente, alertaram de que, neste momento, estão a registar na cidade o maior número de casos de subnutrição aguda grave desde o início das suas operações nutricionais em Gaza, em 2024.

A ONG avisou também que a produção local de alimentos é quase impossível, uma vez que “só 1,5% das terras cultiváveis de Gaza se encontram acessíveis à população e sem danos”, e acrescentou que “a inflação desencadeou um aumento de 4000% nos preços dos alimentos essenciais, em comparação com os preços anteriores à guerra, o que faz com que os bens de primeira necessidade sejam inacessíveis”.

Por sua vez, o coordenador de Segurança Alimentar e Meios de Subsistência da Oxfam, Mahmud Alsaqqa, atribuiu a crise “na sua totalidade” ao bloqueio por Israel da entrada de alimentos e de ajuda vital no território, “terrível consequência da violência israelita e do seu uso da fome como arma de guerra”.

“A população da Faixa de Gaza está a sofrer fome deliberada, bombardeamentos implacáveis e deslocações forçadas. Tudo isso faz parte do genocídio israelita”, denunciou.

A ONG Plan International conseguiu introduzir 10 camiões com alimentos em Gaza desde 06 de agosto, o suficiente para alimentar 45.000 pessoas durante três dias, mas alertou que é necessário muito mais para fazer face às necessidades de uma população que está a morrer de fome.

Em resposta à declaração de fome, o diretor humanitário global da Plan International, Unni Krishnan, sublinhou que “as consequências funestas do uso da fome como arma de guerra por parte de Israel e do bloqueio da ajuda humanitária são devastadoramente evidentes para todos”.

“Nenhum conflito deveria chegar a este ponto. O que estamos a ver hoje em Gaza é uma catástrofe totalmente fabricada e evitável que está a deixar mais de um milhão de crianças palestinianas, e 2,2 milhões de pessoas no total, a lutar para sobreviver”, acrescentou.

“A fome em Gaza não é uma falha logística ou da ajuda, é o resultado de uma guerra brutal e de uma inanição deliberada”, condenou Krishnan.

“Exigimos, sem demora, um cessar-fogo imediato e sustentado, o fim total do fornecimento de armas a Israel e o levantamento completo do bloqueio ilegal de Israel à ajuda humanitária”, concluiu.

Israel declarou a 07 de outubro de 2023 uma guerra na Faixa de Gaza para “erradicar” o movimento islamita palestiniano Hamas, horas depois de este ter realizado em território israelita um ataque de proporções sem precedentes, matando cerca de 1.200 pessoas, na maioria civis, e sequestrando 251.

A guerra no enclave palestiniano fez, até agora, 62.263 mortos, na maioria civis, e pelo menos 157.114 feridos, além de milhares de desaparecidos, presumivelmente soterrados nos escombros, e mais alguns milhares que morreram de doenças, infeções e fome, de acordo com números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.

Prosseguem também diariamente as mortes por fome, causadas pelo bloqueio de ajuda humanitária durante mais de dois meses, seguido da proibição israelita de entrada no território de agências humanitárias da ONU e organizações não-governamentais (ONG).

Alguns mantimentos estão desde então a entrar a conta-gotas e a ser distribuídos em pontos considerados “seguros” pelo Exército, que regularmente abre fogo sobre civis palestinianos famintos, tendo até agora matado 2.060 e ferido pelo menos 15.448.

Já no final de 2024, uma comissão especial da ONU tinha acusado Israel de genocídio em Gaza e de estar a usar a fome como arma de guerra, situação também denunciada por países como a África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), uma classificação igualmente utilizada por organizações internacionais e israelitas de defesa dos direitos humanos.

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