A Direção-Geral da Saúde lança hoje uma campanha sobre a utilização segura de antibióticos para travar as infeções por bactérias multirresistentes, que na União Europeia atingem 670 mil pessoas/ano, mais do que o VIH, tuberculose e gripe.
Apesar de o consumo de antibióticos ter vindo a baixar nos últimos anos – em particular no último por causa das medidas de proteção por causa da pandemia de covid-19 -, a DGS sublinha que “a emergência de bactérias resistentes a antibióticos continua a ser uma ameaça à escala global”.
Evitar as infeções usando medidas de proteção como a lavagem das mãos e a etiqueta respiratória (espirrar para o antebraço), cumprir o programa de vacinação, usar os antibióticos só se prescritos pelo médico e respeitar a duração do tratamento e a regularidade das tomas, entregando na farmácia as sobras, caso existam, são as chaves para travar o avanço das bactérias multirresistentes.
Uma estimativa da OCDE divulgada há dois anos indicava que em Portugal podiam morrer até 2050 mais de 40 mil pessoas na sequência de infeções por bactérias resistentes a antibióticos, apontando para um valor próximo dos 1.100/ano.
Em declarações à Lusa, o médico Artur Paiva, diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistências a Antimicrobianos (PPCIRA) da DGS, reconhece que é difícil ter um número exato das mortes por bactérias multirresistentes em Portugal, sublinhando que nem sempre é fácil separar “quem morre com infeção e quem morre por causa da infeção”.
O especialista recorda que as estimativas para a União Europeia apontam para 670 mil infeções por bactérias multirresistentes por ano, “mais do que a soma das doenças VIH, tuberculose e gripe”, e que estas infeções causam cerca de 30.000 mortes/ano na UE, o que indicará um valor superior de mortes/ano em Portugal relativamente às estimativas da OCDE apresentadas há dois anos.
Artur Paiva, que é igualmente do colégio da especialidade de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, sublinha o facto de o cidadão ser cada vez mais um agente ativo no tratamento e a importância de cumprir a sua parte nesta batalha: “O segredo para manter a efetividade dos antibióticos é usá-los apenas quando são necessários”.
“Os antibióticos são algo de muito importante na nossa vida (…). Há intervenções, como a quimioterapia para o cancro, grandes cirurgias e a transplantação, por exemplo, que só conseguem ter bons resultados porque há antibióticos”, recorda o especialista, frisando que, sendo bons [os antibióticos], o seu uso excessivo “tem efeitos laterais”.
Fazendo uma analogia com a pegada ecológica, o responsável fala da pegada antibiótica e exemplifica: “A energia também é ótima e mudou a nossa vida, mas ao utilizar excessivamente estamos a aumentar a quantidade de gases com efeito estufa e a ter um efeito coletivo muito negativo, que é a mudança climática”.
“Com os antibióticos é a mesma coisa: são muito bons, mas se usarmos em exagero têm efeito negativo, pois as bactérias ao serem expostas modificam-se para ganhar resistência (…) e estas bactérias com mutações podem passar de pessoa a pessoa”, explicou, recordando: “Assim como a energia é consumida em vários ramos da economia, os antibióticos também são não só na saúde humana, mas na veterinária”.
A campanha da DGS - PORCAUSA (PORtuguese CAmpaign for the safe USe of Antibiotics) - pretende sensibilizar a população para o problema da resistência aos antibióticos e para a sua utilização segura e adequada, recorrendo a ‘spots’ de rádio, de TV e imprensa (nacional e regional), além do uso das redes sociais e da colocação de materiais informativos em transportes e unidades de saúde.
Subordinada ao lema “Antibióticos é tudo ou nada, NÃO TOME POR TUDO E POR NADA”, a campanha lembra que os antibióticos servem para tratar infeções graves, “mas não têm qualquer utilidade nas infeções causadas por vírus, como gripes e constipações”.
Recorda ainda que as medidas individuais como a lavagem das mãos e a etiqueta respiratória são essenciais para prevenir infeções e que as infeções causadas por bactérias multirresistentes “são mais difíceis de tratar, levando a internamentos hospitalares mais longos e ao aumento dos custos económicos e sociais relacionados com o tratamento”.
A estas ideias Artur Paiva junta outra: “Se por acaso houver sobras, não devem ser deitadas no lixo doméstico nem na sanita. São para entregar na farmácia, porque assim diminui a tentação de voltar a tomar o mesmo antibiótico se tiver nova infeção, que pode ser diferente, mesmo sem ir ao médico, assim como evita que o dê a um vizinho ou amigo”.